O texto do capítulo anterior fala de Jesus entre os samaritanos [4.1-42], e entre os galileus [4.43-54], em Caná, e nesta cidade já se mostrava grave o problema que até hoje persiste: “se vocês não virem sinais e maravilhas, nunca crerão” [4.48]. Jesus está corrigindo isso, colocando os sinais atrás da fé [Mc 16.17]. O incidente no tanque é mais uma investida (a unção de celulares!).
O referido tanque está no bairro Betzata, do lado norte de Jerusalém, no monte Ofel, lugar onde também está o Templo (espaço central da adoração do povo judeu), e também a Torre Antonia (fortaleza ocupada pelo governo romano) [1]. É sintomático que o dito tanque estivesse próximo do poder religioso e político. Em tempos modernos é difícil determinar onde termina um e começa o outro.
O tanque, lugar de mergulho, reservatório, uma piscina, que se enchia com as águas das chuvas temporãs, estava junto à Porta das Ovelhas, uma espécie de marco zero de Jerusalém, saída para Damasco sendo a entrada menos acidentada. Era o lugar de entrada e lavagem das ovelhas, do gado [2]. Imagine homens e ovelhas nômades, vindas do campo para a cidade, coabitando juntos? Como é que um povo tão cheio de regras sobre saúde e higiene básica decide ficar junto com animais sujos, vindos de regiões tão diversas?
O nome Betesda pode significar Casa da Misericórdia ou Betzata, Casa dos dois derramamentos, (talvez, dos poços gêmeos). Os cinco pavilhões são áreas cobertas, terraços [2]. O nome era bonito, mas o local era uma verdadeira contradição; como a igreja institucionalizada de hoje. E a Igreja somos nós. Como um simples reservatório acaba se transformando num lugar sagrado (exemplo: o filme de um homem com uma doença mortal!)?
Nos pavilhões jaziam (RA) muitas pessoas. Gente deitada, prostrada, como quem se reclinava para fazer refeições, [3]. Os que esperavam eram:
F Enfermos (astheneo); fracos, débeis, sem força ou energia, carentes de recursos, pobres, indigentes [3].
F Cegos (Tuphos); sem visão, sem luz; cegos e mente [3].
F Coxos (choles); sem um dos pés, aleijados, mutilados, incompletos [3].
F Paralíticos (xeros); seco, de membros definhados, ressecados, murchos, anulados [3].
Todos estavam esperando, procurando, aguardando, aceitando o mover, o movimentar das águas [4]. Como hoje, onde todos aguardam um movimento geral, esperando que aconteça algo não específico. As águas deveriam ser agitadas, sacudidas, turbadas, perturbadas; o termo fala de causar comoção interna, tirar a paz, tornar ansioso, angustiado [4]. E por quê? Só um era curado; isso certamente gerava disputas (a professora, o menino e o peixe)!
Sarar aqui é tornar-se outra vez, é vir à existência, é começar a ser, ter vida depois das enfermidades, das cegueiras, dos aleijões e das paralisias [4].
Havia ali alguém esperando 38 anos para ser curado [5]. Será que isso é fé? Será que essa postura têm o significado de alguém perseverante? A pergunta de Jesus responde isso: “Você quer ficar curado?”; “você quer ter o seu problema resolvido definitivamente?” [6]. A esperança não pode ser formada em gente que age assim. O caminho dela é tribulação, perseverança, caráter aprovado [Rm 5.3-4]. As justificativas do cidadão em foco eram cheias de autopiedade [7].
No milagre desse homem, como na salvação, não houve e não há mérito humano [8]. Tudo é feito pela misericórdia e graça de Jesus. E a fé sempre é o carro chefe!
Após o milagre ainda havia outra decisão a ser tomada: qual a palavra maior? Quem deveria ser obedecido? Jesus ou os líderes religiosos? Leva a maca ou deixa a maca [10-12]?
Aplicação
Há um ditado que diz que “o carro não anda na frente dos bois”. Os sinais seguem a fé. A inversão disso pode indicar acidente à vista ou andar para trás.
Cuidado com a proximidade do poder político e religioso. Depois de 35 anos +/-, tudo isso foi destruído. Você pode durar menos do que esses poderes podem sobreviver.
Creio que anjos continuam a todo tempo se movimentando e a ajudando a formar movimentos, cumprindo o desejo de Deus, mas o único lugar sagrado que Ele, Deus pode conhecer é o nosso coração. Então, o que estamos esperando? Ou quanto tempo ficaremos esperando?
A beleza é essencialmente um produto de um coração alegre. A flor que para um é bonita, para outro pode não ser bela.
O que nos ajunta num mesmo lugar pode não ser aquilo que declaramos. No tanque, a conversa e motivo eram as curas, mas o que mais se via era gente enfraquecida, sem luz, mutilada e anulada. Onde isso nos toca?
Na nossa inércia podemos perder de vista o valor, o significado próprio de um ser humano e aceitar, incorporar comportamentos desumanos.
A Casa da Misericórdia com todos os movimentos miraculosos pode acabar por ser a casa de certezas e conflitos, da convicção e contradição, da fé e da dúvida, da santidade e do pecado, da esperança e do desânimo, do amor e da indiferença. Mas pode de uma mesma fonte jorrar água doce e água salgada?